Imagino um singelo cenário, sentados a lareira a ouvir o simples estalar da madeira, sinto um crescendo desejo em te matar num beijo, de te envenenar do meu desejo e te deixar num estado de transe profundo. Abrir-te a pele e descobrir-te por dentro. Ouvir-te gritar onde ninguém te possa ouvir. E deixar-te desvanecer sob o meu feitiço até que o teu coração pare. E no fim, ver-te dormir indefesa, apreciar-te em pele, ouvir-te a respirar suavemente e deliciar-me a elaborar, docemente, a tua próxima morte.
Em mim habita muito mais que uma pessoa, uma delas permanece no anonimato, não gosta de se expor. E como essa pessoa venera a solidão, adora música melancólica e se sente bem quando oprimida pelo sofrimento. Eis o Solitário. Tem a estranha capacidade de emergir em público, sem que ninguém se aperceba, a solidão não é para ele um espaço onde apenas ele se encontra, mas sim, qualquer situação que lhe faça sentir toda a sua insignificância. A incompreensão reforça-lhe o ego. Quando incompreendido, sorri, faz um gesto carinhoso e desvia a atenção. Após uma fase conturbada, o Solitário tem hoje mais influência que qualquer outro. Devo-lhe a descoberta do gosto de viajar sozinho. E, como se aprecia, como chama muito mais a atenção, como ganha importância qualquer pormenor quando estamos sós. Obrigado Solitário.